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  • Pâmela de Oliveira

POVO DO BARCO

Atualizado: 10 de abr. de 2023

Indígenas Warao possuem forte ligação com a água

Família Warao em cano no rio Orinoco. Foto: Roar Johansen

Povo do barco. A tradução do significado de Warao dá sinais claros da relação íntima do povo Warao com a água. Com uma população atual estimada em 48 mil, os Warao se consolidam como a segunda maior população indígena da Venezuela, vivendo em pequenas comunidades diversificadas na forma de viver em sociedade.


Tradicionalmente, os indígenas contavam com um modo de vida condicionado pela proximidade com a água. As palafitas eram o meio de moradia mais comum entre os Warao. Era preciso estar perto da água, de onde tiravam seus meios de sobrevivência com a pesca e horticultura.


8 mil anos após os primeiros registros da existência do povo Warao, as raízes ancestrais continuam firmes na memória e no sangue dos remanescentes da etnia. A proximidade com a água e a falta que o contato diário faz, são assuntos recorrentes entre aqueles que precisaram deixar suas casas.

Pescador venezuelano, Argenis Marcano. Foto: Maria Clara Araújo.

Argenis Marcano, 24 anos, migrante venezuelano Warao residindo em Maceió, não esconde a saudade ao falar da sua rotina nas águas do seu país natal. Ao ser questionado, sem titubear ele afirma que é a parte da sua rotina que mais faz falta.


“Eu cheguei a passar dois dias em alto mar, pescando e sinto muita falta disso. Esse é o nosso sonho aqui no Brasil, voltar a pescar e viver disso, como era na Venezuela. Quando isso for possível as coisas devem melhorar bastante”, disse o Warao.


A relação com as águas é unanimidade. Aníbal Perez, também migrante Warao, reafirma a intensa ligação. “A gente morava perto do mar e sempre pescava, era nossa atividade. Nós somos da natureza, navegando rios e remando” disse, reforçando os motivos de serem lembrados como o povo da canoa.



Caminho para a sobrevivência


Acordar um dia e perceber que aquele lugar em que vive já não lhe pertence ou não atende suas expectativas, ou até mesmo não lhe dá boas condições de sobrevivência é, certamente, a realidade de muitas famílias mundo afora. Para os Warao, esta narrativa trata da sua própria ancestralidade.



Vista superior do Delta do Rio Orinoco. Foto: Getty Images/iStockphoto

Conhecidos por sua heterogeneidade cultural, o povo indígena venezuelano trava uma verdadeira batalha de sobrevivência desde que seus primeiros ascendentes passaram a existir no alto do Delta do Orinoco. Terceiro maior rio do mundo, o Rio Orinoco é capaz de integrar afluentes e grupos étnicos com a exata e mesma eficiência.


Um parecer antropológico produzido pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2017 certifica que há registros ainda pré-coloniais da existência do povo Warao, que coexistiam em meio a outros sistemas interétnicos, até a chegada dos europeus colonizadores. Foi quando a luta pela sobrevivência passou a fazer parte do traço cultural dos Warao e o tornou grupo étnico unificado, apesar da não homogeneidade cultural. Eles passariam a enfrentar uma série de atentados à sua sobrevivência.


Em 1960, a construção de uma barragem em um afluente do Orinoco fez com que o povo indígena tivesse que buscar refúgio em centros urbanos. A partir daí, a violação dos direitos indígenas se tornou mais um desafio a ser combatido pelos Warao, em paralelo com a tentativa de sobrevivência e manutenção da sua cultura.


Em 1976, uma enchente provocou a morte de muitos Warao que ainda residiam próximo à instalação da barragem. Em 1990, um surto de cólera entre uma população que não contava com acesso à saúde básica. Em 2000, a falta de assistência governamental e um limitado acesso às necessidades básicas desaguaram num aumento de casos de AIDS entre os Warao.


As tentativas de dizimar o povo Warao foram diversas e, em alguns grupos familiares, se concretizou ao longo dos séculos.


Resistindo à fome, à falta de acesso à saúde básica, ao saneamento básico inexistente, à violência e à xenofobia, que atualmente dominam a economia venezuelana, os Warao permanecem lutando pela sobrevivência, cercados de vulnerabilidade e da certeza de que sua ancestralidade e memória precisam ser mantidas.


Venezuelanos presentes em Maceió. Fotos: Arthur Vieira


“Cheguei a passar de dois a três dias sem comer. Era muito sofrimento, não tinha como se alimentar bem, às vezes tinha como comprar e outras vezes não. Minha lembrança na Venezuela era de tristeza por não ter o que comer. Sobre isso eu me sinto melhor estando no Brasil, só sinto falta da minha família e me deixa triste também saber que estão passando fome lá”, diz Argenis ao relembrar da realidade vivida por ele e por tantos outros ainda na Venezuela.


Dados da Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi), produzida pelo Instituto de Investigações Econômicas e Sociais da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Católica Andrés Bello (IIES-UCAB), confirma o que conta Argenis, ao constatar que 96,2% dos venezuelanos vivem na pobreza e 79,3% na extrema pobreza.


Esperança em Alagoas


Boa Vista, Manaus, Belém, São Luís, Fortaleza, Natal, Campina Grande, Recife e Maceió. A sequência é facilmente reconhecida por qualquer um que está familiarizado com a geografia do Brasil ilustrada em mapas geográficos. É, certamente, um longo percurso. Esta foi a trajetória traçada por muitos indígenas Warao que saíram da Venezuela em busca de melhores condições de vida.



É unânime entre os migrantes que o percurso até cruzar a fronteira da Venezuela com o Brasil foi o que reuniu mais percalços. Muitos relatam uma longa caminhada de dias, sem acesso à comida, banho e com o consumo de água racionado e fracionado entre os migrantes que reuniam suas famílias na caminhada por uma vida de acesso às necessidades básicas.


“Nós andamos por dois dias até chegar na fronteira, viemos em 15 famílias e tinha muito medo em todo mundo. Sofremos muito’’, conta Argenis ao relembrar dos primeiros passos até chegar à Alagoas, passando por seis estados. Na chegada, mais sofrimento. Foram 5 dias dormindo nas ruas da capital alagoana, acompanhado de toda a família até conseguir abrigo.


Aníbal Perez, liderança indígena Warao. Foto: Arthur Vieira

Apesar da luta incansável, Aníbal conta que desistir nunca foi uma opção entre os migrantes. Para eles, a realidade de fome vivida diariamente na Venezuela assustava ainda mais do que o caminho árduo que faziam.


“A gente não tinha onde ficar, o transporte era muito caro e o alimento era difícil. Foi muita luta, mas sempre pensamos positivo porque tínhamos o sonho de viver com dignidade e autonomia”, disse a liderança indígena.


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